Estudo apresentado na reunião anual da Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) deve alterar a abordagem terapêutica do câncer de pele: em vez de 12 sessões de imunoterapia, apenas duas são suficientes
Quatro dias e 29 apresentações orais depois, a reunião anual da Associação Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) terminou nesta terça-feira (04/06) em Chicago, nos Estados Unidos, com novidades promissoras para o tratamento de vários tipos de câncer. Além de medicamentos considerados revolucionários para os tumores de pulmão, apresentados no domingo e na segunda-feira, o congresso trouxe importantes estudos para pacientes de neoplasias de pele melanoma, esôfago e intestino, entre outros.
Na avaliação de especialistas que acompanharam o evento, a edição de 2024 teve poucos estudos cujos resultados serão capazes de mudar a prática clínica. Porém, ao menos um, para câncer de pele melanoma, deverá influenciar não apenas o tratamento da doença, mas o próprio desenho das pesquisas. Trata-se do NADINA, idealizado e conduzido por cientistas do Instituto de Câncer da Holanda e apresentado em sessão plenária.
O estudo já havia sido considerado pela revista Nature Medicine um dos 11 que terão o maior impacto nos cuidados de saúde em 2024 — os outros vão de vacina contra HIV ao uso da inteligência artificial para rastreamento do câncer de pulmão. Na apresentação do ensaio clínico na Asco, os resultados foram comemorados por oncologistas: em 59% dos pacientes com melanoma em estágio III, o tumor desapareceu ou reduziu significativamente, sem necessidade de tratamento adicional depois da cirurgia.
Recorrência
O tratamento padrão para pacientes com câncer de pele metastático (melanoma estágio III) consiste na remoção dos linfonodos locais, seguida de um ano de tratamento adjuvante com imunoterapia ou terapia direcionada. “Apesar disso, ainda vemos recorrência da doença dentro de três a cinco anos em quase metade desses pacientes”, contou, em nota, o líder do estudo, Christian Blank, oncologista do Instituto de Câncer da Holanda.
Há 10 anos, Blank desenhou um ensaio chamado OPACIN, para verificar se a imunoterapia antes da cirurgia — procedimento chamado de imunoterapia neoadjuvante — poderia induzir uma resposta imunológica melhor contra o tumor, e com menos efeitos colaterais, comparado ao padrão.
Em 2022, o grupo de Blank publicou os resultados da pesquisa PRADO, na qual 60 dos 99 pacientes com melanoma metastático responderam bem à imunoterapia antes da cirurgia. “A realização desses estudos levou ao desenho do ensaio NADINA, o primeiro ensaio de fase 3”, relata. Dessa vez, 423 voluntários foram divididos em dois grupos: o primeiro recebeu dois tratamentos de imunoterapia com ipilimumabe e nivolumabe, seguidos de cirurgia.
O segundo grupo recebeu tratamento padrão, consistindo em cirurgia seguida de 12 rodadas de imunoterapia com nivolumabe. “Em 59% dos pacientes que receberam imunoterapia antes da cirurgia, o tumor desapareceu quase total ou completamente, o que significa que não necessitaram de tratamento adicional”, conta Blank.
Rapidez
Os efeitos do tratamento foram rápidos e, até agora, duradouros: após um ano, quase 84% dos pacientes que receberam tratamento neoadjuvante ainda estavam livres de tumor, em comparação com 57% do grupo da terapia padrão. “Os pacientes cujos tumores desapareceram quase total ou completamente obtiveram resultados ainda melhores; 95% permaneceram livres do tumor, após apenas seis semanas de tratamento.” Em três anos, os pesquisadores esperam saber se a tendência positiva se mantém, melhorando mais a sobrevida global.
“Em termos de resultado, o estudo NADINA foi o melhor”, opina Gustavo Schvarstman, oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein, que acompanhou o evento norte-americano. “É um resultado fantástico: duas doses de imunoterapia antes da cirurgia funcionaram melhor que um ano de tratamento, depois de operar.”
O especialista explica que a “mágica” da terapia explica-se pelo reforço ao sistema imunológico: como a imunoterapia é aplicada antes da retirada dos linfonodos afetados, as estruturas cancerígenas ainda estão circulando, o que desencadeia uma resposta mais robusta dos agentes que vão combatê-las. Assim, depois que o câncer é removido cirurgicamente, as células de defesa continuam ativas, prontas para eliminar a tentativa do melanoma voltar, sem a necessidade de tratamento adicional.
Desenho
Para Schvarstman, o resultado do NADINA muda não apenas o tratamento padrão, mas o desenho de estudos com imunoterápicos. “Na apresentação, o autor ressaltou que quem está conduzindo estudos semelhantes deve redesenhá-los, pois seria antiético continuar”, relata.
“O NADINA é um estudo que pode ser aplicado imediatamente para pacientes com melanoma em estágio III”, comenta Bernardo Garicochea, oncologista e hematologista da rede Oncoclínicas, que acompanhou o evento em Chicago. Ele destaca que, além de reduzir significativamente os efeitos colaterais, o regime terapêutico é muito mais econômico. Segundo Christian Blank, na Europa, o tratamento completo ficaria em 16 mil euros, em vez dos 68 mil do padrão.
Tumor raro
O melanoma é raro e corresponde a 1% dos casos de câncer de pele, com 325 mil pessoas afetadas, anualmente, no mundo. Porém, é a principal causa de morte por esse tipo de tumor. No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) estima 8,4 mil novos diagnósticos por ano, mas a ferramenta de rastreamento Cancer Tomorrow, da Organização Mundial da Saúde (OMS), prevê um aumento de 80% na incidência em 2040.
Novos paradigmas
O tratamento quimioterápico antes e depois da cirurgia melhorou a sobrevida de pacientes com adenocarcinoma esofágico localmente avançado que pode ser tratado com cirurgia, comparado à terapia padrão. Uma pesquisa apresentada na reunião anual da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco) em Chicago, nos Estados Unidos, demonstrou que, para um grupo de pessoas, esse protocolo pode ser mais indicado que o padrão, que consiste em quimio e radioterapia antes da retirada do tumor.
Atualmente, o tratamento mais comum para adenocarcinoma esofágico localmente avançado é o chamado CROSS, que inclui quimiorradioterapia antes da cirurgia. Pesquisadores do Centro Médico de Boston Medical Center compararam o protocolo a uma nova abordagem, a FLOT. Nesse regime, o paciente faz quimioterapia antes e depois da operação, sem passar pela radio.
No estudo apresentado, o ESOPEC, foram incluídos 221 participantes no braço FLOT e 217 no protocolo CROSS. A sobrevida global foi de 66 meses (cinco anos e meio) no primeiro caso, e 37 meses (três anos e um mês) no segundo.
“Nosso estudo mostra que pacientes com câncer de esôfago ressecável devem receber quimioterapia FLOT antes e depois da operação, para melhorar otimizar a chance de cura de seus tumores a longo prazo”, disse o principal autor do estudo, Jens Hoeppner. “O resultado apresentado na Asco preenche uma lacuna na literatura da oncologia gastrointestinal e tem o potencial, portanto, de modificar a prática clínica”, explica Alexandre Jácome, líder nacional de tumores gastrointestinais da Oncolclínicas.
Intestino
Outro estudo apresentado na Asco também tem potencial para mudar a prática clínica, embora os autores tenham ressaltado que são necessárias mais pesquisas antes de se sugerir uma alteração no tratamento padrão. O NEOPRISM-CRC fase II avaliou se um medicamento imunoterápico (pembrolizumabe) antes da cirurgia pode ser melhor para um determinado perfil de pacientes de câncer de intestino, comparado ao que se faz hoje — quimioterapia pós-operatória.
No ensaio, pesquisadores da Universidade College London, na Inglaterra, incluíram 32 pessoas com câncer de intestino em estágio dois ou três, com um determinado perfil genético, que corresponde a 10-15% dos pacientes da doença no Reino Unido. Elas receberam o pembrolizumabe nove semanas antes da cirurgia e foram acompanhadas ao longo do tempo.
Fonte: Correio Braziliense
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