Depressão pós-parto está ligada a múltiplos fatores, aponta estudo

A poluição pode agravar o quadro psicológico e neurológico da futura mãe. Os sinais mais comuns são irritabilidade, apatia e reações desproporcionais. Condições podem persistir, o que exige a necessidade de assistência profissional de forma integral

Muitas mulheres enfrentam um período de desânimo conhecido como “baby blues” após o parto, no entanto, essa fase, algumas vezes, confunde-se com uma depressão pós-parto não diagnosticada. Essa condição é mais grave e pode persistir por muitos meses, ou mais de ano, afetando a capacidade da mãe de lidar com as emoções e prejudicando a construção de vínculos com o filho. Novos estudos mostram que a depressão pós-parto dá sinais mais cedo do que se pensava e que a poluição do ar pode influenciar. Além disso, cientistas revelam que a terapia para insônia pode servir como prevenção.

Cientistas da Universidade de Tübingen, na Alemanha, descobriram que mulheres grávidas com maior atividade em uma área do cérebro chamada amígdala têm mais dificuldades em controlar as emoções e apresentam sintomas mais intensos de depressão pós-parto. 

Conforme o ensaio, apresentado no Congresso do European College of Neuropsychopharmacology, a amígdala, uma região relacionada ao processamento de emoções, também está envolvida no comportamento maternal, o que sugere que disfunções nessa área podem contribuir para o risco de depressão após o nascimento do bebê.

O trabalho comparou 15 mulheres grávidas a 32 não gestantes e analisou as respostas emocionais a estímulos perturbadores enquanto faziam ressonância magnética. As participantes que esperavam um bebê relataram que raramente conseguiam aplicar estratégias de regulação emocional conscientemente. Além disso, aquelas com maior atividade na amígdala tiveram mais dificuldade em controlar suas emoções e, consequentemente, mais sintomas depressivos.

Hosana Siqueira, psicóloga da Clínica Revitalis, no Rio de Janeiro, detalhou que reavaliação cognitiva é uma técnica em que a pessoa aprende a modificar o estado emocional mudando os pensamentos e reinterpretando a situação. “É uma forma de gerenciar emoções negativas sem suprimir ou evitar. Para gestantes, isso pode ser muito útil. Ao encarar preocupações e ansiedades naturais da gravidez com uma nova abordagem, a mulher consegue diminuir o estresse e melhorar o bem-estar.”

A psicóloga Karlla Christina de Oliveira Lima, de 33 anos, é mãe dos gêmeos Dom e Iza, de 1 ano e 6 meses, e passou pela depressão pós-parto. Três meses depois do nascimento das crianças, a brasiliense retomou os atendimentos e, apesar de ter uma rede de apoio, manteve a maior carga de responsabilidade.

“Meu marido teve uma conversa séria comigo. Somente ali, percebi que realmente tinha perdido o controle da minha saúde emocional. A profissão me ajudou muito a aceitar o diagnóstico e o tratamento, assim que minha família demonstrou tal preocupação, contactei minha psicóloga e uma psiquiatra para dar início ao acompanhamento.”

Segundo Karlla, muitas pessoas pensam que, com esse diagnóstico, as mães sempre terão ideação suicida, ou desejo de fazer mal ao filho, mas os sintomas podem incluir irritabilidade, apatia e reações desproporcionais. “Eu cuidava dos meus filhos, fazia o que precisava ser feito, mas me enxergava em uma exaustão que tomava conta dos meus dias, onde via que a solução era sumir ou me trancar no quarto escuro e dormir por muito tempo.”

Com acompanhamento, a mãe dos gêmeos conseguiu reverter o quadro. “Hoje me sinto muito bem e super saudável psicologicamente. O processo durou em média um ano. Me lembro bem do momento que me senti realmente ‘mãe’, no sentido mais profundo. Há três meses fomos a uma loja e Iza viu roupas com o seu desenho favorito e ficou toda animada, me emocionei e meu desejo era comprar tudo para eles. Naquele momento, me conectei com o amor incondicional, comecei a enxergá-lo da forma que sempre achei que enxergaria.”

Além de fatores neurológicos, a poluição do ar pode aumentar as chances de desenvolver o quadro. Uma pesquisa, conduzida pela Universidade da Califórnia em Los Angeles, nos Estados Unidos, mostrou que mulheres expostas a altos níveis de dióxido de nitrogênio e material particulado durante o segundo trimestre da gravidez têm até quatro vezes mais chances de depressão pós-parto, com sintomas da condição persistindo por até três anos após o nascimento do bebê.

Estudo 

O estudo acompanhou 361 mulheres por três anos e relacionou dados sobre exposição a poluentes do ar com a incidência de sintomas depressivos. As participantes submetidas a concentrações elevadas de dióxio de nitrogênio e material particulado entre a 13ª e a 29ª semana de gestação mostraram um aumento substancial no risco de depressão.

A pesquisa também destacou a necessidade de monitorar a saúde mental das mães além do primeiro ano após o parto, pois a depressão pode durar muito mais do que o esperado. Os pesquisadores sugerem que minimizar a exposição à poluição durante a gravidez, especialmente ao ar livre, pode ser uma medida importante para reduzir esse risco.

Conforme Elaine Maria Frade Costa, coordenadora da Comissão de Endocrinologia Ambiental da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), é inegável que a poluição atmosférica causa danos à saúde humana em diferentes sistemas, incluindo o reprodutivo.

“É possível que a exposição humana à poluição atmosférica, especialmente o material particulado, exerça um efeito de desregulação endócrina em diferentes sistemas. Devemos atuar por meio da política de redução de danos, orientar e educar a população sobre os efeitos e incentivar os órgão competentes a adotarem medidas para que a exposição seja minimizada.”

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Inúmeras questões

Renata Figueiredo, médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)(foto: Arquivo cedido)

“A capacidade de regular emoções é fundamental para a saúde mental e, conforme as pesquisas, as gestantes apresentam dificuldades em iniciar a reavaliação cognitiva de forma espontânea, embora possam aplicá-la com sucesso quando incentivadas. Integrar treinamentos de regulação emocional ao cuidado pré-natal pode ajudar gestantes a lidar melhor com emoções negativas e, assim, reduzir o risco de depressão pós-parto. Além da atividade cerebral, fatores como suporte social, estresse, uso de substâncias como álcool, cigarro, drogas e certas medicações, histórico de saúde mental e eventos de vida podem influenciar a regulação emocional das gestantes. Esses fatores devem ser avaliados pelo médico para uma abordagem preventiva abrangente que promova a saúde mental durante e após a gravidez.”

Renata Figueiredo, médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr)

Dormir, uma maneira eficaz de prevenção

Apesar dos problemas para dormir serem considerados característicos da gravidez, um estudo sugere que a terapia cognitivo-comportamental para insônia (TCCI) pode melhorar de forma significativa não apenas os padrões de sono das gestantes, mas também os sintomas de depressão pós-parto. A pesquisa, realizada por cientistas da Universidade de British Columbia (UBC) e da Universidade de Calgary, no Canadá, revela que o tratamento precoce com TCCI enquanto o bebê ainda está em formação pode reduzir de forma notável os sintomas de depressão após o nascimento.

O estudo contou com 62 mulheres, distribuídas em dois grupos: um recebeu a intervenção terapêutica, enquanto o outro ficou com o tratamento padrão. Os resultados mostraram que a TCCI não só melhorou o sono durante a gravidez, como amenizou os sinais de depressão pós-parto.

Conforme a publicação, a TCCI é uma abordagem terapêutica que visa identificar e modificar padrões de pensamento e comportamentos que contribuem para a insônia. O tratamento trabalha a reformulação de ideias equivocadas sobre o sono e a criação de hábitos mais saudáveis, com o objetivo de melhorar a qualidade do descanso.

O estudo também revelou que os benefícios da TCCI se estendem além da gestação. As voluntárias que receberam o tratamento durante a gravidez mantiveram as melhorias no sono e tiveram menos sintomas de insônia e depressão por até seis meses após o nascimento do bebê. Para a equipe, esses resultados são especialmente significativos, pois indicam que o tratamento da insônia na gravidez pode funcionar como um fator protetor contra a depressão pós-parto.

Ao Correio, a coautora do estudo e professora de enfermagem da Universidade de British Columbia, Elizabeth Keys, afirmou que as descobertas “podem ajudar gestantes com insônia, prevenindo a depressão perinatal. Além disso, tratar a insônia pode fornecer “um caminho menos estigmatizante para atingir, mitigar e prevenir a depressão perinatal, concentrando-se no sono em vez da depressão diretamente”.

Conforme Letícia Isabela, psicóloga do grupo Mantevida e especialista em neuropsicologia, o sono prejudicado tem como consequência deficits nas funções executivas e na regulação emocional, o que dificulta a mãe se adaptar às necessidades do bebê. “Além disso, o período após o parto também interfere significativamente no sono da mulher. Essa realidade ocasiona níveis altos de estresse que fazem com que seu limiar de frustração seja mais baixo, o que pode levar a respostas emocionais negativas com relação ao bebê e suas necessidades.” 

Fonte: Correio Braziliense

Foto: Kayo Magalhães

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