Responsável pelo Pisa, o especialista afirma que a estrutura escolar é antiquada e necessita de uma reforma. Ele destaca a importância da cultura da aprendizagem, que é apontada como tão importante quanto o orçamento
O Brasil enfrenta uma série de desafios na educação, entre eles, a aprendizagem e o financiamento. As duas áreas foram destacadas por Andreas Schleicher, diretor de educação da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e um dos criadores do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês).
O Pisa é um dos principais medidores de desempenho escolar no mundo. Realizada a cada três anos em diversos países, com estudantes de 15 anos, a avaliação é dividida entre matemática, ciências e leitura. O último resultado do estudo, divulgado em dezembro do ano passado, apontou que o Brasil está abaixo da média da OCDE em todas as matérias, com destaque para matemática.
De acordo com o levantamento, 27% dos estudantes brasileiros alcançaram o patamar mínimo de aprendizado, enquanto a média dos países da organização para esse nível é de 69%. Na leitura, a desenvoltura foi um pouco melhor, 50% atingiu o esperado, mas o valor ainda é abaixo da média de 74%. Em ciências, cerca de 45% dos alunos aprenderam o mínimo considerado, contra 76% da média da OCDE.
O Correio conversou com exclusividade com o especialista em visita recente ao Brasil para uma das reuniões do G20 — grupo que reúne as 19 maiores economias do planeta, mais União Europeia e União Africana — para entender melhor como está o desempenho da educação brasileira no Pisa e quais os principais desafios a serem enfrentados nacionalmente. Confira os principais trechos da entrevista:
Como você avalia a situação da educação no Brasil atualmente?
O Brasil é uma das três histórias de sucesso nas Américas. Se você pensar em todos os países das Américas, dos Estados Unidos até a Argentina, nós só temos três que viram melhorias. O Peru é o número um, com maior melhoria, seguido pelo Brasil e Colômbia. Então, a longo prazo, eu acho que o Brasil conseguiu colocar mais crianças na escola e melhorar os resultados de aprendizagem no Pisa.
Mas ainda estamos muito distantes dos melhores índices da OCDE…
A diferença para os países de alto desempenho ainda é muito grande. E também é muito claro que houve uma melhora, mas a economia, a sociedade, a democracia do Brasil exigirão habilidades mais elevadas. Então, acho que ainda há um longo caminho a percorrer para o sistema.
Quais são os pontos fortes do Brasil?
Uma das coisas que muitas vezes é esquecida aqui é, na verdade, que medimos leitura, matemática e ciências, mas também habilidades socioemocionais. E em algumas das habilidades socioemocionais, o Brasil se sai muito bem. Como o sentimento de pertencimento dos alunos, por exemplo, a identidade, as interações sociais, a qualidade das interações sociais, apoio dos professores. Essas coisas, eu acho, são os pontos fortes do Brasil no sistema educacional. Em habilidades acadêmicas, como eu disse, temos visto uma boa melhora a longo prazo, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Nos resultados do Pisa de 2022, o Brasil se saiu um pouco melhor em leitura do que em matemática. Por que você acha que isso aconteceu?
Ler é algo que não se faz apenas na escola. A leitura depende muito das suas atividades em casa. Então, no contexto familiar, importa mais para a leitura. Se seus pais leram para você quando criança, você será um leitor melhor na escola. Se você ficar sentado na frente da televisão, você não será muito bem-sucedido. E matemática, você só aprende da escola. Essa é outra história. Mas na leitura, você precisa da ajuda de toda a sociedade.
E o conhecimento em ciências, você acha que precisamos ensinar mais sobre crises ambientais e climáticas?
Sim, absolutamente. Acho que os jovens precisam entender melhor que o que eles fazem hoje terá consequências para o futuro. A ideia de sustentabilidade é muito importante e devemos incluí-la em matemática, leitura e ciências. E, na verdade, estamos trabalhando em um componente Pisa sobre o meio ambiente para 2029.
Os índices do último Pisa mostram ainda uma distorção na idade com a classe escolar. Por que isso ainda ocorre no Brasil?
Isso, na verdade, realmente melhorou muito. Quando começamos o Pisa, havia muitos alunos fora da faixa etária escolar. E acho que o Brasil fez um bom trabalho para melhorar as promoções através do sistema e também o que chamamos de aprendizado apropriado. Acho que isso não é mais um problema tão grande no Brasil.
O senhor estava em uma sessão da Reunião Global de Educação sobre investimento em educação. O que o Brasil pode fazer para melhorar essa área, já que não temos muitos investimentos internacionais?
É verdade, e não é apenas investimento internacional. É o investimento total que não é muito alto no Brasil. O Brasil não está entre os países que investem uma grande parte de sua renda em educação, isso é sobre a falta de consciência de que as escolas hoje são a economia, o futuro. Se você quer que as pessoas paguem mais impostos, você precisa dar a elas a educação para ter bons empregos. Acho que esse link precisa ser mais claro. Se você comparar o Brasil com o Vietnã, por exemplo, lá você pode ver que a sociedade tem um grande compromisso com a melhoria da educação. E acho que isso ainda não é visível no financiamento aqui. O Brasil também precisa fazer muito melhor o alinhamento de recursos com as necessidades. Se você vem de um meio rico no Brasil, você consegue um ótimo professor, você consegue uma boa escola. Se você vem de um meio desfavorecido, você luta. Você tem uma desvantagem pessoal e entra na escola com uma desvantagem maior. O Brasil pode fazer muito mais também para atrair os professores mais talentosos para as escolas mais difíceis e para garantir que os recursos sejam priorizados onde fazem a diferença. Não é só gastar mais, é gastar melhor.
Por que ainda não investimos o suficiente na educação aqui no Brasil? O tamanho do país pode ser uma dificuldade?
De forma alguma. Há países grandes, como a China, como o Vietnã, que mostraram que o tamanho do país não é o diferencial. Tem a ver com liderança. No Ceará, por exemplo, tinha alguém no topo que se tornou importante e fez acontecer. Isso importa muito. Para mim, o que foi feito no Ceará é o que poderia ser feito em qualquer lugar do Brasil. Não há nada que impeça qualquer outro estado de seguir um caminho semelhante. O Ceará não é um estado muito rico. É um estado que acabou de priorizar a educação e que aproveitou a experiência do próprio sistema educacional. Não foi o governo que disse “você tem que fazer isso e aquilo”. Foi o governo que disse: “se você é uma boa escola, você vai apoiar uma escola de baixo desempenho”. Combinar isso foi um mecanismo muito eficaz.
Você falou sobre os professores. O ministro da Educação, Camilo Santana, sempre diz que temos um grande problema em ter novos professores e que isso é um problema não só do Brasil, mas do mundo todo. Isso é verdade?
Sim, é um problema mundial. Muitos países enfrentam isso e não é fácil de resolver. Algumas pessoas dizem que você tem que pagar os professores melhor, mas nós não vemos uma relação entre a escassez de professores e o salário dos professores. Não é verdade. Na verdade, meu país, a Alemanha, paga muito bem aos professores e tem o mesmo problema que o Brasil. A Finlândia, que não paga muito aos professores, tem a profissão de ensino como muito atraente. Você não resolve isso com dinheiro. Você resolve isso tornando o ensino um trabalho mais atraente, dando aos professores uma carreira mais interessante, um ambiente mais colaborativo e mais autonomia profissional, para que eles façam um trabalho interessante. Também vemos que em países onde os professores têm mais responsabilidades sociais, os professores são mais felizes. Muitas vezes terceirizamos a responsabilidade social. Nós dizemos que você como professor ensina e depois um assistente social e um psicólogo lidam com as dificuldades. Isso não é bom. Os professores realmente não são apenas bons instrutores, mas também bons treinadores, bons mentores, bons facilitadores, bons assistentes sociais, bons designers de ambientes de aprendizagem novos, originais, interessantes e inovadores. É aí que o ensino se torna atraente, criando um perfil de trabalho que seja mais rico, que seja mais interessante, mais colaborativo. Se você trabalha todos os dias com seus colegas, você não está apenas implementando um livro didático, mas está projetando o ambiente de aprendizagem.
Você acha que a estrutura da escola, como ela é atualmente, pode ser um dos motivos para ela não ser tão atraente?
Isso faz parte do problema. Temos uma forma muito antiquada de estruturar a escola. A escola deveria ser sobre aprender com problemas reais, trabalhando em situações reais. Às vezes, uma enfermeira pode te ensinar melhor biologia do que um professor de biologia. Poderíamos dar às crianças ambientes de aprendizagem mais autênticos, mais baseados em problemas, em projetos, pedindo aos jovens para tomar decisões sobre sua aprendizagem, por exemplo. Mas, nós os colocamos em classe e dizemos, hoje estou ensinando trigonometria, amanhã história. Deveríamos dar mais voz aos jovens, tornar a aprendizagem mais autêntica, mais interessante. Existem ainda pessoas no Brasil que abandonam a escola. Quando você pergunta a eles, por que você desistiu? Eles não dizem: “eu não posso ir para a escola”. Eles te dizem: “a escola não faz sentido para mim, não é relevante, não é para o meu futuro”. Precisamos mudar isso. A aprendizagem precisa se tornar mais autêntica, mais baseada em problemas, mais projetiva. É disso que o Pisa trata. O Pisa não testa se você se lembra do que eu lhe disse. Testa se você consegue entender, se pode aplicar seu conhecimento, se pode resolver problemas complexos. E é isso que a escola deveria ser.
O fato da escola não ser interessante é um problema de todos os países, ou apenas nos mais pobres?
Não. Muitos países já mudaram o aprendizado. Às vezes, a educação profissional é muito mais interessante para os jovens do que o aprendizado acadêmico. Acho que muitos países realmente fizeram progressos na criação de ambientes de aprendizagem mais interessantes.
Pode citar alguns exemplos?
Professores não apenas transmitem conhecimento, eles também olham para a competência. Eles estão olhando para você, se você pode fazer alguma coisa como estudante. Não apenas repetir o que eu digo. Você realmente consegue tomar iniciativa? Você pode trabalhar em projetos com outros alunos? Muitos países mudaram no aprendizado. Realmente acho que existem muitas boas escolas no Brasil também, mas ainda não fazem parte dessa cultura. A cultura ainda é transmissão de conhecimento. O futuro não o recompensará apenas pelo que você sabe. O Google sabe de tudo. O futuro te recompensa pelo que você pode fazer com o que aprende. Isso ainda não está presente o suficiente na sala de aula brasileira.
Parte do problema das pessoas não irem para escola não pode estar ligado ao fato de que alguns jovens precisam trabalhar para auxiliar a família financeiramente e acabam deixando a escola?
Acho que existem alguns. Mas, não temos dados para o Brasil sobre as pessoas fora da escola. Temos dados para outros países da América Latina, como a Guatemala e o Equador. Alguns jovens dizem “eu tenho que cuidar da minha família”, mas não muitos. A maioria das pessoas disse que a escola era chata, a escola não era relevante, o que fazia na escola não conseguia conectar com o mundo ao redor. E é isso que precisamos mudar. A situação econômica é difícil de mudar, isso sempre leva tempo.
Qual mensagem você deixaria para a educação brasileira?
Acho que o Brasil realmente moveu seu sistema educacional. A maioria das pessoas vai para escola agora. A qualidade melhorou, mas ainda acho que a sociedade poderia fazer mais. Todo mundo deveria levar o futuro mais a sério, o que aprendi hoje vai moldar meu futuro. Acho que muitos brasileiros ainda levam a educação muito na moleza. Os pais devem estar cientes de que o investimento em seus filhos será o futuro deles e o futuro do país. Acho que a economia também deve colocar mais recursos na educação. Não apenas o governo, mas também os empregadores, a sociedade civil. Isso não é tão forte no Brasil. A educação ainda não é uma iniciativa de toda a sociedade, ainda é um serviço público, e acho que é importante que todos desempenhem o seu papel. Posso dar um número sobre o Brasil. O fato de os pais perguntarem aos seus filhos como foi a escola teve uma influência maior nos resultados do Pisa, do que a renda dos pais. Então, somente mostrar ao seu filho que o “que você faz na escola é importante para mim, estou interessado” é mais influente para o sucesso do aluno do que se você é rico ou pobre. E não há desculpas. Quando você não tem dinheiro, você não pode mudar isso. Mas, se os pais mostrarem apoio aos filhos é possível desenvolver. Caso contrário, você sabe, vai ser muito difícil para o Brasil dar o próximo passo e alcançar os resultados.
Fonte: Correio Braziliense
Foto: Mayara Souto