Estudo com mais de 350 mil pessoas mostra que, embora o DNA influencie a longevidade, a adoção de hábitos saudáveis, como dormir bem, não fumar e se exercitar regularmente, compensa o efeito de variantes que reduzem a esperança de vida
Viver mais ou menos depende, em parte, da genética, mas o estilo de vida tem um peso maior do que o DNA, afirma um estudo da Universidade Médica de Hangzhou, na China, publicado na revista BMJ Evidence Based Medicine. Baseado em dados de 353.742 adultos monitorados por até 15 anos, o estudo identificou que hábitos saudáveis podem compensar os efeitos dos genes que prejudicam a longevidade em 62%. Por outro lado, uma rotina insalubre é capaz de elevar em 78% o risco de morrer antes do tempo, independentemente de um genoma “bom” ou “ruim”.
A partir da década de 1990, com os primeiros resultados do Projeto Genoma Humano, uma grande atenção foi dispensada à associação entre genes e longevidade, com diversos cientistas debruçando-se sobre o DNA de centenários. Já se chegou a atribuir até 30% da duração da vida aos genes, um percentual que, hoje, é considerado exagerado.
Segundo os pesquisadores de Hangzhou, existe uma ferramenta chamada escore de risco poligênico (PRS), que combina múltiplas variantes genéticas para estimar a predisposição geral de uma pessoa para viver menos ou mais. Ao mesmo tempo, o estilo de vida — tabagismo, consumo de álcool, dieta, sono e atividade física — é um fator-chave na equação. Não está claro, porém, até que ponto hábitos saudáveis podem compensar o PRS.
Classificação
Para explorar essa questão, os pesquisadores utilizaram informações do Biobank, do Reino Unido, o maior banco de dados médico global. Os participantes ingressaram no estudo entre 2006 e 2010 e foram acompanhados até 2021. Com base na ferramenta LifeGen, os cientistas classificaram os voluntários em genética favorável à vida longa (20% do total), intermediária (60%) e curta (20%).
Além disso, o estilo de vida dos participantes foi considerado favorável (23%), intermediário (56%) e desfavorável (22%), de acordo com um sistema de pontuação desenvolvido pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDCs) dos Estados Unidos. A avaliação inclui os seguintes hábitos: fumo, consumo de álcool, prática de exercícios físicos, composição corporal, sono e dieta.
Durante um período médio de acompanhamento de quase 13 anos, 24.239 participantes morreram. Aqueles geneticamente predispostos a uma vida curta tinham 21% mais probabilidade de morrer precocemente do que os participantes classificados como longevos, independentemente do estilo de vida.
Já os que tinham hábitos desfavoráveis apresentaram 78% mais probabilidade de morrer antes do tempo médio do que aqueles com um estilo saudável, independentemente da predisposição genética. Quatro fatores em particular pareciam formar a combinação ideal para uma vida longa: não fumar; praticar atividade física regularmente; ter um sono noturno adequado, e seguir uma dieta balanceada.
Os pesquisadores também constataram que as pessoas que, além de elevado risco genético de esperança de vida reduzida, eram adeptas de um estilo de vida desfavorável tinham duas vezes mais probabilidades de morrer precocemente do que aquelas geneticamente predispostas à longevidade e que seguiam hábitos saudáveis.
Reserva
A geriatra Priscila Abiko, do Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, defende que, além da prática de exercícios, da dieta saudável e de se abster de fumar e beber álcool com moderação, manter o cérebro ativo, cuidar os aspectos psicológicos, tratar doenças e fazer exames preventivos são a chave da longevidade. Ela observa que esses fatores preparam corpo e mente para enfrentar adversidades, o que ela define como reserva fisiológica.
“A reserva fisiológica é como uma poupança que fazemos ao longo da vida para podermos usar quando for necessário, por exemplo, frente a uma infecção, queda, infarto ou qualquer outro adoecimento”, explica. “Se não criamos esta poupança, não teremos recursos no organismo para combater estas adversidades de maneira satisfatória. O mesmo se aplica ao desenvolvimento de uma mente sã para enfrentar as dificuldades emocionais e perdas que ocorrem com o envelhecimento”, destaca.
Entre os componentes dessa reserva, a médica recomenda a prática regular de exercícios aeróbicos e de força; a alimentação à base de carnes, legumes, saladas, frutas e grãos; manter as interações sociais; combater o adoecimento mental com práticas como ioga, meditação, psicoterapia e atividades de lazer. Priscila Abiko também ressalta a importância de parar de fumar e de consumir álcool em excesso, aderir a tratamentos médicos quando há doenças pré-existentes e fazer consultas periódicas para prevenção.
Bônus de cinco anos e meio
Os autores do estudo sobre longevidade publicado no BMJ ressaltam que há algumas limitações da pesquisa. Primeiro, é observacional, por isso não estabelece relações de causa e efeito. Além disso, o estilo de vida dos participantes foi avaliado apenas em um momento da vida deles, o que pode ter desconsiderado futuras mudanças. Os voluntários eram todos de ascendência europeia, o que pode limitar a generalização dos resultados, especialmente genéticos.
Ainda assim, os autores acreditam que as descobertas sugerem de forma robusta que o risco genético de uma esperança de vida mais curta ou de morte prematura pode ser compensado por um estilo de vida favorável em cerca de 62%. Aqueles com forte predisposição a viver menos poderiam estender a expectativa em quase cinco anos e meio aos 40, com a adoção de hábitos saudáveis, dizem.
“Esse estudo elucida o papel fundamental de um estilo de vida saudável na mitigação do impacto de fatores genéticos na redução da expectativa de vida”, escreveram, em nota, os autores correspondentes, Xifeng Wu e Xue Li. “As políticas de saúde pública para melhorar estilos de vida saudáveis serviriam como complementos potentes aos cuidados de saúde convencionais e mitigariam a influência de fatores genéticos na esperança de vida humana”, acreditam.
Importância da interação social
A solidão pode acelerar o envelhecimento biológico, sugere um estudo da Mayo Clinic, nos Estados Unidos, publicada no Journal of the American College of Cardiology: Advances. O estudo avaliou marcadores cardiovasculares de 280 mil adultos que receberam atendimento ambulatorial entre junho de 2019 e março de 2022. Essas pessoas foram questionadas sobre participação e frequência em atividades sociais. O estudo constatou que aquelas mais engajadas em reuniões com familiares, clubes e igrejas, entre outros, tinham resultados melhores nos exames, além de viverem mais. “O estudo destaca a interação crítica entre isolamento social, saúde e envelhecimento”, diz Amir Lerman, cardiologista da Mayo Clinic e autor sênior do artigo. “O isolamento social combinado com condições demográficas e médicas parece ser um fator de risco significativo para o envelhecimento acelerado. Contudo, sabemos que as pessoas podem mudar seu comportamento — ter mais interação social, exercitar-se regularmente, ter uma dieta saudável, parar de fumar, dormir adequadamente etc. Fazer e sustentar essas mudanças pode ajudar muito a melhorar a saúde no geral.”
Fonte: Correio Braziliense
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